quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO CONTRATUAL BRASILEIRO


PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO CONTRATUAL BRASILEIRO
Neutton Jonas A. Ferreira*
Direito Civil IV – Professora Ana Paula Joaquim

 


Resumo

Este artigo tem como objetivo apresentar as características básicas inerentes aos princípios contratuais ínsitos na nova codificação civil brasileira. Para tanto, utilizou-se como método de pesquisa a leitura de livros doutrinários, leis, videoaulas e pesquisas de internet. Os resultados obtidos se deram primeiramente pela fixação do conteúdo, tão importante para os alunos do curso de direito que pretendem ter uma base sólida em um tema de tamanha envergadura, que é o estudo dos contratos. Pelo segundo aspectos positivo pode-se citar as facilidades que certamente advirão no que pertine a rápida compreensão de outros institutos do direito contratual. Conclui-se que, diante das modernas concepções doutrinárias do direito contratual, o tema certamente tem valor bastante significativo na compreensão dos negócios jurídicos contratuais, em geral, no que toca sua interpretação, integração e limitação.



Palavras-chave: Autonomia Privada. Função Social dos Contratos. Cláusula Geral.


1 Introdução

Nem todos os fatos que ocorrem na sociedade têm implicações na esfera jurídica. Contudo, a partir do memento que o homem manifesta sua vontade gerando efeitos na órbita jurídica, surge o que se denomina de negócio jurídico. Tais efeitos não se dão de qualquer maneira, mas atendendo a inúmeros requisitos de existência, validade e eficácia. Dentro deste entendimento, os princípios contratuais tem primordial importância, posto que são regramentos básicos que se aplicam a um determinado instituto jurídico.

No caso específico deste artigo, havia uma grande dúvida na escolha do tema dentre os propostos pela Professora Ana Paulo Joaquim. No entanto, diante da considerável importância da compreensão dos princípios, e isto não se restringe apenas ao direito contratual, mas constitucional, penal, processual penal, trabalhista etc., é que surgiu o interesse pela temática. Ademais, seria uma forma de facilitar a compreensão de outros institutos jurídicos e até mesmo no que se refere à aplicabilidade destes diante da realidade cotidiana vivenciada na prática jurídica. Aliás, para aqueles que pretendem enveredar-se no ramo da advocacia, o ramo do direito civil, nos primeiros anos da profissão, sem dúvida, será o mais vantajoso economicamente.

No que se refere ao artigo, ora objeto de apreciação, foram feitos estudos em alguns autores, como por exemplo, Flávio Tartuce, Silvio de Salvo Venosa, Pablo Stolze Gagliano, Maria Helena Diniz, Kildare Gonçalves, Carvalho Miguel Reale etc. Quanto às videoaulas, tão em voga nestes tempos, pelos alunos dos cursos de direito e concurseiros em geral, utilizou-se o disponível pelo programa “saber direito” do professor Thiago Godoy. Quanto às pesquisas na internet, estas se deram mais no âmbito da constatação daquilo que muitas das vezes era citado na doutrina por alguns autores, como por exemplo, nos enunciados dos Conselhos de Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Quanto à estruturação do trabalho, está disposto de forma bastante lógica. Logo no início é feito uma apresentação conceitual (ACEPÇÕES DO TERMO PRINCÍPIO), a fim de apresentar a etimologia da palavra principio; em seguida parte-se para os estudos dos princípios, objeto deste artigo: PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS, PACTA SUNT SERVANDA, O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS CONTRATUAIS.

Em suma, espera-se que seja de grande proveito para aqueles que desejarem obter um pouco mais de conhecimento sobre o tema, pois no que se refere a este acadêmico, certamente já surtiu efeito esperado. Não só pela leitura dos livros necessário para a realização dele, mas, sobretudo, pela prática da escrita, tão necessária para o profissional do direito.


2 ACEPÇÕES DO TERMO PRINCÍPIO

Não há dúvidas que o direito existe para regular conduta de pessoas na sociedade - muito embora a simples existência dele não seja razão suficiente para se pensar que a possibilidade de conflitos estejam abolidos. Dentro desta realidade fática, de valor preponderante são os princípios, entendidos estes como “valores que o Direito Reconhece como ideias fundantes do ordenamento jurídico, dos quais as regaras jurídicas não devem afastar-se para que possam cumprir adequadamente os seus fins”. (NASCIMENTO, 2009, p. 111)

Ainda na intenção de dar maior clareza ao tema, Carvalho (2010), vai além ao definir que a palavra princípio vem do latim principium e significa início, começo ponto de partida. Não menos importante para construção conceitual de princípios jurídicos, são os ensinamentos do Professor Miguel Reale (2009, p. 303) quando, dentro de uma perspectiva jurídico-positiva, estabelece que:

 […] princípios são ‘verdades fundantes’ de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivo de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos palas necessidades das pesquisas e da praxis.    

 Diante da atual codificação privada brasileira, assumem os princípios papel fundamental, posto que são verdadeiros alicerces por meio dos quais repousam as normas jurídicas positivadas pelo Estado. Aliás, atualmente é comum a afirmação de que o Novo Código Civil Brasileiro é um código de princípios, de tão constante na codificação presente. Neste entendimento, diante do que foi apresentado conceitualmente, resta concluir que se trata, por assim dizer, de ideias chaves pela qual se assenta determinado ordenamento jurídico, seja ele de caráter privado ou público. Quanto a este, exemplifique-se os princípios da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do contraditório, da inviolabilidade do domicílio etc. Quanto aquele, os princípios da função social dos contratos, princípio da boa-fé objetiva etc.

Ressalte-se ainda, que há princípios pelos quais se constroem e se interpretam não só as leis a eles inerentes, contudo todo um código de conduta hierarquizado, a exemplo do que ocorre no âmbito da caserna. Ali, não só os regulamentos disciplinares ou o próprio Código Penal castrense, mas todo o conjunto de normas de caráter cerimonial, comportamental e organizacional está firmado nos princípios basilares da hierarquia e da disciplina.

Dentro do poder decisório do juiz também tem os princípios valor estimado, exemplo disso é o que preceitua o art. 4° da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, por força do qual, quando a norma jurídica for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Idêntico dispositivo se encontra no artigo 8º. Da Consolidação das Leis do Trabalho, de tal maneira que essa remissão aos princípios gerais de direito se constituem em referencial de grande valia na interpretação e na aplicação do direito ao caso concreto e, portanto, cada vez mais frequente no direito contemporâneo.

Quanto a sua abstração dentro da ciência jurídica, ensina Tartuce (2012) que surgem da jurisprudência, dos costumes, da doutrina, de aspectos políticos, sociais e econômicos. Podem estar expressos na letra da lei, mas não necessariamente. Exemplifique-se o princípio da função social dos contratos, expresso no Código Civil (art. 421 e 2.035, parágrafo único), mas implícito no código de defesa do consumido, na Consolidação das Leis do Trabalho e em inúmeros dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (art. 46, 47, 51, 52 dentre outros). A propósito, no caso específico do princípio citado, vale lembrar a classificação de Miguel Reale (2009, p. 304) ao discriminar os princípios, a saber:


a)  princípios ominivalentes, quando são válidos para todas as formas de saber, como é o caso dos princípios de identidade e de razão suficiente;


b)  princípios plurivalentes, quando aplicáveis a vários campos de conhecimento, como se dá com o princípio de causalidade, essencial as ciências naturais, mas não extensivo a todos os campos do conhecimento;

c)   princípios monovalentes, que só valem no âmbito de determinada ciência (grifo meu), como é o caso dos princípios gerais de direito.

Como se observa, há princípios inerentes a vários ramos do direito, como é o caso do principio da função social dos contratos, a exemplo do citado no parágrafo anterior, vislumbrados no código adjetivo, no código consumerista e também na Consolidação das Leis do Trabalho. Razão pela qual se justifica, hodiernamente, o que a doutrina denomina de “diálogo das fontes”. Além disso, há que se ressaltar a grande importância do CDC nos contratos em geral, visto que normalmente são voltados para relação de consumo que o coloca em íntima relação com o código Civil nas relações, em geral, privadas e com a CLT, notadamente quanto têm como finalidade minorar a abissal desigualdade entre consumidores e empresários, empregados e empregadores. Dentro deste diapasão, há que se concordar com Tartuce (2012, p. 50) quando diz que “é possível aplicar a determinado contrato tanto o CDC quanto o CC, desde que isso não prejudique o consumidor vulnerável”.

Ademais, diante do compartilhamento de princípios existente entre diversos institutos jurídicos, há que se concordar com a importância do dialogo das fontes, encampado pela nova codificação constante de “cláusulas gerais”, quais sejam, função social dos contratos e da boa-fé objetiva. Tal expressão é utilizada em razão da abrangência que denota, de modo a ser valorada à luz de princípios maiores, a depender do caso concreto, como por exemplo: dignidade da pessoa humana, solidariedade social e da igualdade substancial. São conceitos legais indeterminados, janelas abertas deixadas pelo legislador para serem preenchidas pelo aplicador do direito caso a caso.

A propósito, grande parcela da doutrina tem entendido que os direitos e garantias individuais não só são oponíveis ao Estado como também aos direitos que regem as próprias relações privadas, o que se convencionou chamar de eficácia horizontal desses direitos. Há que se concordar com tal ideia, principalmente diante dos conceitos de cláusulas gerais incluídos a nova codificação. Aliás, muito bem colocadas são as palavras do Min. Gilmar Mendes (apud TARTUCE, 2012, p. 51), relator no Recurso Extraordinário n°. 201.810, de 11 de outubro de 2005, onde expressamente “que as cláusulas gerais são a porta de entrada dos valores constitucionais nas relações privadas”.

Embora a mens legis erigida do constituinte originário não tivesse a intenção de criar tais direitos e garantias aplicáveis às relações privadas, vez que a intenção era evitar as arbitrariedades do Estado, incomparavelmente mais forte frente ao cidadão comum, tal concepção, nos dias atuais, não mais prevalece, “o que faz com que a eficácia horizontal seja interessante à prática, a tornar mais evidente e concreta a valorização da dignidade da pessoa humana nas relações interprivadas, entre os particulares”. (TARTUCE, 2012, p. 51)

Em suma, a despeito de tudo que foi falado, na tentativa de apresentar um maior número de subsidio teórico para o tema deste trabalho, serão estudados os princípios contratuais. A internalização deles, sem dúvidas, são de grande valia na construção de uma base sólida, vez que são de grande repercussão prática que surgem na realidade vivenciada pelo profissional do direito. Portando, os princípios aqui abordados serão: a) Princípio da autonomia privada; b) Princípio da função social dos contratos; c) Princípio da força obrigatória dos contratos; d) Princípio da boa-fé objetiva; e) Princípio da relatividade dos efeitos contratuais.


3 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA

Segundo a Bíblia, o próprio criador da raça humana os dotou de livre arbítrio, posto que se constituiria ferramenta indispensável para evidenciar a sua essência: o amor. Na esteira destas palavras, o direito privado tem como objetivo primordial regular tal dádiva, dando a elas força de lei entre as partes. Tem, portanto, os contratos fundamental importância no âmbito dos direitos pessoais, sendo inafastável o predomínio da vontade sobre ele. Há que se convir que o negócio jurídico constitui-se verdadeiro instrumento da vontade humana, tendo sua raiz na vontade. Neste sentido, conveniente são as palavras Castro Y Bravo (apud Tartuce, p. 53) quando afirma que “a declaração da vontade […] constitui o elemento central e mais característico do negócio jurídico, sendo o seu estudo comum às declarações que afetam a relação negocial”.

Cumpre neste momento, a distinção entre liberdade de contratar e liberdade contratual. Pelo primeiro, entende-se a manifestação da vontade voltada à escolha de com quem se deseja contratar. Normalmente trata-se de uma liberdade plena, não obstante suas restrições. Exemplifique-se a contratação de compra e venda entre ascendente e descendente, anulável caso não haja o consentimento expresso dos demais descendentes e do cônjuge do alienante (Art. 496, do Código Civil).

Pelo segundo, a autonomia da pessoa está relacionada com o próprio conteúdo do negócio, ponto em que surgem restrições ainda maiores à liberdade negocial. Exemplifique-se nos casos em que há mitigação em face de outros princípios mais importantes, como por exemplo, a função social dos contratos. Deste modo, assim como uma propriedade dever ter seu valor social, sobre pena de perdê-la seu proprietário, da mesma forma os contratos devem ter em seu conteúdo tal objetivo.  

Dessa conformação de dupla liberdade, inerente aos sujeitos do contrato, é que surge a autonomia privada, que constitui a liberdade que a pessoa tem para regular os próprios interesses.

Como observado até o presente momento, tal princípio encontra restrições o que reforça a distinção entre autonomia da vontade e autonomia privada. Neste sentido, Enzo Roppo (apud Tartuce, p. 54) esclarece que “a autonomia e a liberdade dos sujeitos privados em relação à escolha do tipo contratual, embora afirmada, em linha de princípio, [...] estão, na realidade, bem longe de ser tomadas como absolutas, encontrado, pelo contrário, limites não descuráveis no sistema de direito positivo”. Portanto, embora existam doutrinadores que entendam ser as expressões sinônimas, assevera Tartuce (2012), que de fato quando se utiliza a expressão “autônima da vontade”, estar-se referindo a algo de caráter subjetivo, psicológico, enquanto que “autonomia privada”, implica no poder da vontade de modo objetivo, concreto e real, o que reforça a tese de superação da primeira.

Por outro lado, observa-se que, hodiernamente, a vontade perdeu a força que exercia no passado no que se refere à formação dos contratos, de modo que outros critérios entram em cena para a concretização prática do instituto. Deste modo, se observa uma verdadeira crise nas relações pessoais privadas, posto que se trata de uma mudança estrutural das relações contratuais, implicando em preocupações quanto ao conteúdo contratual em benefício para o meio social. Deste entendimento, conclui Dìez-Picazo (apud TARTUCE, 2012, p. 54) que “à luz da personalização do Direito privado, que a autonomia não é da vontade, mas da pessoa”.

A mitigação a tal princípio se dá tanto pela validade como pela eficácia (segundo e terceiros degraus da escada ponteana). Neste sentido, esclarece Tartuce (2012, p. 55), in verbis:

Não se pode esquecer que o principal campo de atuação do princípio da autonomia privada é o patrimonial, onde se situam os contratos como ponto central do Direito Privado. Esse princípio traz limitações claras, principalmente relacionadas com a formação e reconhecimento da validade dos negócios jurídicos. A eficácia social pode ser apontada como uma dessas limitações, havendo clara relação entre o preceito aqui estudado e o princípio da função social dos contratos.

É importante frisar que diante do princípio da função social dos contratos em face do princípio em comento, não há que se falar em eliminação total da autonomia privada ou da liberdade contratual, mas atenuação ao alcance deste princípio. É o teor do Enunciado nº. 23 do Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, aprovado na I Jornada de Direito Civil, ipsis litteris:

A função social dos contratos, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

Observa-se nos dias atuais, grande intervenção da lei e do próprio Estado nas relações contratuais. Com efeito, há casos que a intervenção é imprescindível, como por exemplo, nos contratos envolvendo relação de consumo, regulados pelo Código de Defesa do Consumidor, e mesmo nos contratos regulados pelo Código Civil Brasileiro. É o que a doutrina chama de “dirigismo contratual”.

Tal ingerência do Estado e da própria lei, não se dá por acaso, posto que é sensível a disparidade econômica que por vezes se impõem entre as partes contratantes, o que leva, muitas vezes, à restrição do direito de escolha do conteúdo do contrato por uma das partes. Neste caso, não há dúvidas que a vontade do mais fraco estará mitigada. Exemplo disso, são os contratos de adesão, ou “contratos standard” (padronizados). É bem verdade que do ponto de vista prático e da realidade contemporânea tem seu valor. Até mesmo pela maior movimentação da economia mundial, posto que a autonomia da vontade se resume a um simples sim ou não. Refletindo sobre esta ideia, assevera Tartuce (2012, p. 56) que “não se pode dizer, às cegas, que os contratos fazem lei entre as partes, como era comum outrora”.

Há casos ainda, que a imposição do conteúdo do negócio se dá em razão da própria falta de opção por quem deseja contratar. Diante de tal circunstância, poderá a parte prejudicada celebrar contrato desfavorável, ou seja, onerosamente excessivo, o que poderá configurar a “lesão”, novo vício do negócio jurídico (art. 157 do CC) que pode motivar a anulabilidade (art. 171, II do CC) ou a revisão judicial do contrato (art. 157, §2°, do CC).

Diante do apresentado até este ponto, já é possível concordar com Tartuce (2012, p 56), quando conceitua o Princípio da autonomia privada como sendo:

[...] um regramento básico, de ordem particular – mas influenciado por normas de ordem pública – pelo qual na formação do contrato, além da vontade das partes, entram em cena outros fatores: psicológicos, políticos, econômicos e sociais. Trata-se do direito indeclinável da parte de autorregulamentar os seus interesses, decorrente da dignidade da pessoa humana, mas que encontra limitações em normas de ordem pública, particularmente nos princípios sociais contratuais.

Portando, diante da relação existente entre a função social do contrato e do próprio princípio da autonomia privada, não só os beneficiários diretos ganham, vez que há a restrição de cláusulas abusivas, mas a sociedade como um todo. Alias, neste sentido, belas são as palavras de Francisco Amaral (apud TARTUCE, 2012, p. 58) quando diz que:

“emprestar ao direito uma função social significa considerar que os interesses da sociedade se sobrepõem ao do indivíduo, sem que isso implique, necessariamente, a anulação da pessoa humana, justificando-se a ação do Estado pela necessidade de acabar com as injustiças sociais”.
  

4 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS


No que pertine ao princípio em comento, pertinente se faz alguns esclarecimentos dos artigos que os expressam na atual codificação civil, quais sejam, art. 421 e 2.036. Quanto ao primeiro artigo, tem-se que “a liberdade de contratar será exercida em razão (grifo nosso) e nos limites da função social do contrato”. Observa Tartuce (2010), que o legislador cometeu dois equívocos técnicos. Pelo primeiro, tem-se nas palavras “liberdade de contratar”, que deveriam ser substituídas pelas expressões “liberdade contratual”. Tal modificação se dá pelo fato de que a liberdade de contratar, relacionado com a celebração do contrato é, via de regra, ilimitada, uma vez que a pessoa pode contratar com quem quiser, salvo raríssimos casos, conforme, inclusive, já citado aqui neste trabalho. No que se refere à segunda expressão, seria a mais apropriada, posto que está vinculada diretamente ao conteúdo do negócio jurídico e, portanto, submetida às restrições do princípio da função social dos contratos.

Quanto à segunda impropriedade – “em razão e” -, há que se observar que a função social não é a razão para o contrato, mas sim a autonomia privada. De fato, a função social dos contratos é um limite ao conteúdo do contrato, vez que “fim social” quer dizer finalidade em prol do benefício de todos.

Para melhor esclarecer o tema, importante se recorrer ao teor da proposta de modificação apresentada mediante Projeto de Lei 6.960/2002 de autoria do Falecido Deputado Federal Ricardo Fiuza, in verbis:

[...] a alteração, atendendo a sugestão dos professores Álvaro Villaça Azevedo e Antônio Junqueira de Azevedo, objetiva inicialmente substituir a expressão ‘liberdade de contratar’ por ‘liberdade contratual’. Liberdade de contratar a pessoa tem, desde que capaz de realizar o contrato, já a liberdade contratual é a de poder livremente discutir as cláusulas do contrato. Também procedeu-se à supressão da expressão ‘em razão’. A liberdade contratual está limitada pela função social do contrato, mas não é a sua razão de ser.

Superado os esclarecimentos acima e antes de traçar comentários pertinentes ao artigo 2.035 do Novo Código Civil, há que se compreender, o real valor do principio social dos contratos. Ainda que de forma simplória diante dos diversos enfoques que se poderia tomar.

Pois bem, já na Exposição de motivos do anteprojeto do Código Civil, na época de autoria de Miguel Reale, datado de 16 de janeiro de 1975, consta como um dos objetivos da nova codificação:

[...] tornar explícito, como princípio condicionador de todo o processo hermenêutico, que a liberdade de contratar só pode ser exercido em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores primordiais da boa-fé e da probidade. Trata-se de preceito fundamental, dispensável talvez sob o enfoque de uma estreita compreensão do Direito, mas essencial à adequação das normas particulares à concretude ética da experiência.

Diante do exposto, nota-se claramente que o princípio em comento é de primordial importância para interpretação da lei, e limitação da vontade das partes, dentre outras características dentro da sistemática do direito civil brasileiro. Ressalte-se também, a sua ligação direta com o princípio da função social da propriedade, estatuído no inciso III do artigo 170 da Constituição Cidadã. Alias, o princípio da função social dos contratos está vinculado ao princípio da função social da propriedade. Aquele é espécie deste, em uma nítida constatação do que hodiernamente se convencionou chamar de Direito Civil Constitucional.

Quanto ao parágrafo único do artigo 2.035, também há que se fazer importantes esclarecimentos quando diz que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.

O grande dilema envolvendo o dispositivo citado se dá quanto à aplicabilidade do principio da função social dos contratos àqueles negócios jurídicos existes à época da codificação anterior. Segundo Tartuce (2010, p. 61) “quando se lê no comando a expressão convenção, pode-se ali enquadrar qualquer ato jurídico celebrado, particularmente os negócios jurídicos constituídos antes da entrada em vigor da nova lei geral privada e cujos efeitos ainda estão sendo sentidos atualmente, na vigência da atual codificação”.

Para melhor compreensão do que hora foi apresentado, importante observar o preceitua o artigo em comento, ipsis litteris:

A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Como se observa, o legislador aderiu à teoria de Pontes de Miranda quanto aos elementos constitutivos do contrato e do negócio jurídico, denominado de “Escala Ponteana” – plano da existência, plano da validade e plano da eficácia. Deste modo, melhor explicando, aos contratos existentes e válidos à época do código civil de 1916 é aplicável a referida lei. No entanto, quanto aos efeitos desses contratos, ao se perdurarem a tempos de vigência da legislação nova, é aplicável a nova codificação civil.

Diante de tal dispositivo, vários desdobramentos surgiram, dentre os quais o que acredita ser um caso típico de norma inconstitucional, vez que se constitui em flagrante afronta ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme previsto no art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 e 6.º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro. No entanto, em posicionamento contrário, Maria Helena Diniz (apud TARTUCE, 2012, p. 61) argumenta “que é plenamente justificável a previsão do artigo 2.035, parágrafo único, do novo Código Civil, eis que”:

[...] como bem assevera Celso Antônio Bandeira de Mello: ‘violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica em ofensa não apenas um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, ao ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas reforçadas’. Se assim é, incabível seria e existência de direito adquirido ou ato jurídico perfeito contra norma de ordem pública, aplicável retroativamente atos anteriores a ela. O direito precedente cede a ela o lugar, submetendo-se aos princípios da função social do contrato e da propriedade, com os quais não pode conflitar, visto que tem supremacia por força da Constituição Federal.

Ainda no mesmo sentido, o próprio Tartuce (2010) prefere entender que, no caso em questão, existe uma “retroatividade justificada ou motivada” em prol da proteção dos preceitos de ordem pública. Diante da aparente antinomia entre a proteção constante do art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada) e aquele constante do art. art. 5.º, XXII e XXIII, da CF/1988 (função social da propriedade em sentido amplo, que engloba a função social da propriedade em sentido estrito e a função social do contrato), sendo ambas cláusulas pétreas, por certo que o legislador resolveu privilegiar a segunda proteção. Ademais, diante de conflitos de princípios, recorre-se, sempre, ao princípio maior da razoabilidade/proporcionalidade.

Não se deve esquecer que o caso específico não é algo novo nas normas positivas brasileiras. Neste sentido, muito bem lembrado foi o exemplo dado por Fernando Noronha (apud TARTUCE, 2012, p. 63) quando afirma que “[…] quando da promulgação da Lei Áurea, que aboliu a escravidão do País, foram declarados inválidos todos os contratos de compra e venda de escravos celebrados antes de sua vigência, em prol do bem comum”.
  

5 PRINCIPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS (PACTA SUNT SERVANDA)

“Um homem é senhor de sua palavra até que as dê em decorrência de um pacto, quando estão passa a ser escravo dela”. A frase expressada foi pronunciada por um amigo há alguns anos atrás no sentido de denotar a seriedade com que um homem deve tratar seus compromissos, porquanto conveniente para o princípio hora que se passa a comentar.

Pois bem, o principio de que o contrato faz lei entre as partes, como também é conhecido, muito embora já esteja ultrapassado conforme se verá adiante, tem como finalidade proporcionar segurança jurídica aos negócios contratuais. Deste modo, em decorrência da própria autonomia da vontade, tem ele como característica a limitação da liberdade, a partir do momento que as partes consensualmente firmam suas cláusulas decorrentes da vontade autônoma. Neste sentido, esclarece Tartuce (2012) que há doutrinadores que falam em “principio do consensualismo”, e acrescenta: “entretanto, como a vontade perdeu o papel relevante que detinha, preferimos não utilizar mais essa última expressão”. (TARTUCE, 2012, p. 85)

Há que se ressaltar que os artigos que apresentam este princípio não o expressam taxativamente no texto da nova codificação civil. No entanto, os artigos 389, 390 e 391, do Código Civil, que trata do inadimplemento das obrigações, afastam qualquer dúvida quanto à manutenção da obrigatoriedade das convenções como princípio do ordenamento jurídico privado brasileiro.

Neste entendimento, Orlando Gomes (apud TARTUCE, 2012, p. 85) esclarece que:

O principio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com observância de todos pressupostos e requisitos necessário à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido. Estipulado validamente o seu conteúdo, vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória.

Diante da concepção romanística o contrato jamais poderia ser extinto ou revisto, sobre pena de trazer insegurança jurídica ao sistema. Entretanto, com a realidade jurídica atual, impossível coadunar com tal concepção estanque do contrato. Diante do fenômeno da globalização, da livre concorrência e do domínio do crédito por grandes grupos econômicos, bem como pela manipulação dos meios de marketing, gerou-se profundas mudanças no direito contratual. Observa-se a enorme mitigação deste princípio em face dos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, verdadeiras cláusulas gerais, utilizada pelo juiz na aplicação da subsunção. Nesse entendimento, assevera Washington de Barros Monteiro (apud TARTUCE, 2012, p. 86) que:

Acentua-se, contudo, modernamente, um movimento de revolução do contrato pelo juiz; conforme as circunstâncias, pode este, fundando-se em superiores princípios de direito, boa-fé, comum intenção das partes, amparo do fraco contra o forte, interesse coletivo, afastar aquela regra, até agora tradicional e imperativa.

Observa-se, portanto, que, embora ainda presentes, conforme apresentado nos artigos acima aludidos, este princípio já não prepondera nas relações contratuais. Como já afirmado anteriormente, a realidade da sociedade contemporânea já não comporta tal conceito peremptoriamente. Não se deve olvidar que se busca, com tal mitigação, equiparação dentro das relações contratuais entre os poderosos e os desfavorecidos economicamente, socialmente, politicamente, geograficamente etc. Além disso, não se tolera mais negócios jurídicos que não venham render dividendos na orbita social.

No entanto, deve-se concordar com Tartuce (2012) ao dizer que, a despeito de doutrinadores que acham ter o princípio aqui comentado sido definitivamente extinto, tais afirmações não prosperam, posto que seria afastar o mínimo de segurança jurídica e certeza que se espera do ordenamento jurídico privado, com efeito, a própria segurança do direito, ícone maior da justiça e objetivo buscado pela ciência que o estuda.

Todavia, não é exagerado afirmar que o princípio da força obrigatória dos contratos tende a desaparecer. Por certo, outro princípio o substituirá no futuro, talvez o principio da conservação do contrato ou mesmo a boa-fé objetiva, em uma feição de tutela de confiança. (TARTUCE, 2012, p. 87)

6 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

O principio que ora passa-se a comentar tem importância fundamental para a interpretação dos contratos. Tal colocação se dá pala generalidade que apresenta em seu conteúdo, dito aberto, denominado pela doutrina de verdadeira cláusula geral. Nos dizeres de Venosa (2005, p. 408) pode-se afirmar que “esse princípio se estampa pelo dever das partes de agir de forma correta antes, durante e depois do contrato, isto porque, mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais”. Talvez, para os mais atentos, surja a indagação do que seria essa conduta correta referida por aquele autor. Pois bem, tal termo se refere àquilo que a sociedade pugna como legítimo, moral, ético em um determinado momento e dentro de uma perspectiva axiológica, econômica e social.

Segundo Tartuce (2012) tal princípio tem suas bases já no direito romano, que embora não aplicado, vez que somente vigorava a boa-fé subjetiva, mas já cogitado. Acrescenta ainda, que foi com o surgimento do jusnaturalismo que o instituto foi incorporado na codificação comparada. A propósito, Venosa (2005) faz referência ao Código Civil Italiano, que o prescreve em seu artigo 1.337 e que certamente serviu de inspiração para a nova codificação civil brasileira.

Antes de se prosseguir no tema, necessário se faz explicar o que seria a boa-fé subjetiva, afim até mesmo de despertar maior compreensão do tema. Na boa-fé subjetiva o manifestante da vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um negócio jurídico. Há um estado de consciência que deve ser considerado. Quanto à boa-fé objetiva o interprete passa de um padrão de consciência comum, a luz do homem mediano, levando em consideração vários aspectos de ordem social, geográfico etc.

No atual Código Civil brasileiro, este princípio está ínsito nos artigos 421 e 422, quais sejam:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boafé.

Afirma Tartuce (2012) que é costumeiro na doutrina a boa-fé objetiva está relacionada com “deveres anexos”, “secundários”, “laterais”, inerentes a qualquer negócio jurídico, prescindido de previsão no instrumento contratual. Neste sentido, Clóves do Couto e Silva (apud TARTUCE, 2012, p. 89), afirma que:

[...] os deveres secundários comportam tratamento que abranja toda relação jurídica. Assim, podem ser examinados durante o curso ou o desenvolvimento da relação jurídica, e, em certos casos, posteriormente ao adimplemento da obrigação principal. Consistem em indicações, atos de proteção, como o dever de afastar danos, atos de vigilância, da guarda de cooperação, de assistência.

Como deveres dos direitos anexos, portanto, podem ser citados: a) o dever de cuidado em relação à outra parte negocial; b) o dever de respeito; c) o dever de informar a outra parte quanto ao conteúdo do negócio; d) o dever de agir conforme a confiança depositada; e) o dever de lealdade e probidade; f) o dever de colaboração ou cooperação e; g) o dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão.

No que se refere às funções do princípio da boa-fé objetiva, é possível ser observado nitidamente no Código Civil em seu artigo 113 (função interpretativa); artigo 187 (função de controle dos limites do exercício de um direito) e; artigo 421 (função de integração do negócio jurídico), citados abaixo respectivamente:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boafé e os usos do lugar de sua celebração.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercêlo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boafé ou pelos bons costumes.

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Pelo primeiro (artigo 113), tem o aplicador do direito, frente a este princípio, um meio auxiliador na interpretação dos negócios jurídicos, de modo que não poderá ver um contrato de forma isolada, mas em consonância com o artigo 112 do CC quando diz expressamente que “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

Quanto ao segundo artigo (Art. 187, do CC), esclarece Tartuce (2012, p. 91) que “[...] a quebra ou o desrespeito à boa-fé objetiva conduz ao caminho sem volta da responsabilidade independente de culpa […]”.  

Quanto ao terceiro e ultimo efeito (Art. 421 do CC), importante se fazer menção ao Enunciado n. 25 CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil quando diz que “o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do principio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”. Exemplifique-se aqui o caso envolvendo a CICA e os produtores de tomates do Rio Grande do Sul – o caso dos tomates. Naquela circunstância a empresa criou uma expectativa de compra dos tomates que fossem produzidos por aqueles produtores, inclusive distribuindo sementes para os mesmos, no entanto na época da colheita não mais quis comprar a produção. Diante de tal impropério, os agricultores ingressaram com demandas indenizatórias alegando a quebra do princípio da boa-fé objetiva na fase pré-contratual, mesmo não havendo qualquer contrato escrito, obtendo-se total êxito.


7 PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS CONTRATUAIS

Traduz-se pelo princípio de que os efeitos contratuais, genericamente, só pedem atingir as partes contratantes, não prejudicando ou não beneficiando terceiros estranhos a ele. Decorre, portanto, deste conceito, a ideia de que, em face de terceiros, o contrato res inter alios acta aliis neque nocet neque potest (O negócio feito entre uns, não pode prejudicar a outros).

Não obstante, há que se convir da existência concreta do contrato, percebido até por pessoas que a ele não integram, o que inevitavelmente possibilitará efeitos, em alguns casos, diante de deles. Maria Helena Diniz (apud Tartuce, 2012) aponta como exceção a tal princípio os estabelecido nos artigos 436, 438 e 1.792, que estende os efeitos contratuais a outras pessoas, criando-lhes direito e deveres, apesar de serem elas alheias à constituição do contrato.

Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.

Art. 438. O estipulante pode reservarse o direito de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante.

Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbelhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados (grifo meu).

Especificamente no caso do primeiro artigo, entende-se que ao se estipular um contrato em favor de terceiros, também é possível cobrar o cumprimento, fincando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438.

Interessante também observar o que prescreve o artigo 440 do Código Civil quando diz que “nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem, se este, depois de se ter obrigado, faltar à prestação”. O exemplo mais comum para explicar este artigo são os casos de contratação de shows, eventos e espetáculos em geral. Assim, imagine-se contratar um cantor famoso e este, no melhor estilo Tim Maia, resolve não comparecer. Deste modo, não terá responsabilidade pelo inadimplemento contratual feito pelo cantor aquele que fez promessa perante o contratante. Em contrapartida, caso tenha optado por agir conforme o artigo 339 do Código Civil, fatalmente terá que responder pelo adimplemento do contrato, mesmo que não tenha dado causa: “aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar”.

Não se aplica o referido princípio apenas às partes, porém, também, em relação ao objeto. Tanto é verdade, que os contratos sobre bens que não pertençam aos sujeitos do contrato não atingem a terceiros. Tal regra também é passiva de exceções.

Conclui-se, portanto, que os contratos não produzem efeitos com relação a terceiros, salvo nos casos expressamente previstos em lei, como por exemplo, estipulação em favor de terceiro e da promessa de fato de terceiro. Neste sentido, importante citar as palavras de Venosa (2005, p. 408), ipse litteris:

Não deixamos de lado, contudo, a noção de que, sendo o contrato um bem tangível, tem ele repercussões reflexas, as quais, ainda que indiretamente, tocam terceiros, há outras vontades que podem ter participado da avença e não se isentam de determinados efeitos indiretos do contrato, como no caso de contrato firmado por representante. Também aquele que redige o contrato, ou aconselha a parte a firmá-lo, pode vir a ser chamado por via reflexa para os efeitos do negócio.



8 Considerações finais

Durante os estudos para a realização deste artigo, grande era a expectativa do que se poderia construir sobre o tema. Primeiro, porque, embora de grande valia para o domínio da disciplina não há um nítido interesse dos alunos em se aprofundarem no tema, talvez até mesmo por não despertar tanto interesse. Normalmente o aluno quer logo partir para os contratos em espécies, que tem mais a ver com o cotidiano de cada um. No entanto, ao chegar ao final de mais este artigo, a certeza que se tem é que não há como ter uma visão mais ampla do negócio jurídico sem o necessário domínio teste conteúdo. O que se observa é que existe a construção de um conhecimento fragmentado, tal qual uma cocha de retalhos. O conhecimento gira em torno de algo superficial. 

Quando da escolha do tema, era exatamente essa a preocupação. Naquele momento existia apenas uma visão superficial dos princípios, muito embora já se vislumbrasse que algo grandioso poderia surgir após a construção do presente artigo. Chega-se ao final agora não com uma mera expectativa, mas uma constatação de imprescindível necessidade que tem o aluno do domínio da compreensão de tais princípios contratuais. Sobre pena de não se chegar a patamares maiores da disciplina em sua forma mais aprofundada e sistematizada.

Expressões, como cláusula geral, boa-fé objetiva, pacta sunt servada, liberdade contratual e liberdade de contratar já não soam estranhas. Aliás, interessante a colocação do ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Gilmar Ferreira Mendes, citado por Flávio Tartuce, ao admitir que as cláusulas gerais são a porta de entrada para valores constitucionais nas relações privadas. Foi um link perfeito com tema de domínio deste acadêmico: a eficácia horizontal dos direitos e garantias individuais. Inclusive, questão ressente do IV Seletivo para Estagiário do Ministério Público Estadual de Roraima, a qual este aluno teve o prazer de ter sido aprovado.

Em suma, as expectativas foram atendidas e mais ainda constatações foram feita, quanto a importância do tema para a compreensão dos negócios jurídicos. Sem dúvida fica mais uma vez a felicidade de uma tarefa cumprida.

 

PRINCIPLES CONTRACT LAW OF BRAZIL


Abstract

 This article aims to present the basic features inherent in the new contractual principles ínsitos Brazilian civil code. For this purpose, we used as a research method to read doctrinal books, laws, internet video classes and research etc. The results are given first by setting the content, so important for law school students who want a solid foundation in a matter of such magnitude, which is the study of contracts. For the second positive aspects can be mentioned the facilities that surely will come in what concerns the rapid understanding of other institutions of contract law. We conclude that in the face of modern conceptions of contract law doctrine, the issue certainly has very significant value in understanding the legal business contracts in general as regards its interpretation, integration and limitation.

 Keywords: Private Autonomy. Role of the Social Contract. General Clause.

 
REFERÊNCIAS

 TARTUCE, Flávio. Teoria geral dos contratos e contratos em espécie. Vol. 3, 7ª ed. Bahia: Métodos, 2012.
GAGLIANO, Pablo Stolze. R. P. F. Novo curso de direito civil. Vol. 4, 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 4, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol. 2, 5ª ed. São Paulo: Atlas S. A, 2005.     

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Teoria do estado e da constituição. 16ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 34ª ed. São Paulo: LTr, 2009.

TEORIA Geral dos Contratos. Thiago Godoy. Produção: Saber Direito. You Tube. Baixado em 05/04/2012.  



* Graduando no Curso de Bacharelado em Direito – Universidade Estadual de Roraima - neuttonbass@hotmail.com

 

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